Força do
dólar coloca em xeque as principais moedas da América Latina
Divisas do Brasil, México, Colômbia e Chile sofrem
com a alta dos juros nos EUA, mas escapam ao cataclismo do peso argentino
Cidade do
México 9 MAI 2018 -
21:56 BRT
Uma casa de câmbio nesta
terça-feira em Buenos Aires. J. MABROMATA AFP
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O mundo emergente se acostumou nos últimos tempos a uma estranha sensação de calma. Os enormes
volumes de liquidez acumulados após anos de políticas monetárias expansivas nas
economias avançadas haviam entupido as Bolsas e os mercados de bônus, chegando
também aos ativos dos países em desenvolvimento. Mas a volatilidade é inerente
à sua própria natureza emergente e, cedo ou tarde, ela volta a bater à porta.
Desta vez, a causa foi uma combinação de fatores que vão do fortalecimento do
dólar norte-americano por causa da elevação das taxas de juros na maior economia
mundial até o efeito por contágio das dificuldades argentinas, passando pelas
expectativas de maior inflação e a crescente percepção de proximidade do fim de
um ciclo econômico. Um coquetel que ameaça virar uma dor de cabeça na América
Latina.
Maio trouxe
consigo turbulências no mercado cambial. A primeira semana do mês foi a pior
para as moedas emergentes em mais de um ano, e esta avança pelo mesmo roteiro.
O nervosismo se instalou na terceira maior economia da América Latina, a
Argentina, um país que leva o pânico financeiro em seu DNA e que já precisou pedir um resgate ao Fundo Monetário Internacional.
E se estendeu ao resto dos grandes países da região. À sangria do peso
argentino se somaram as fortes quedas do peso mexicano, colombiano e chileno.
Também do real brasileiro, que perdeu 14% nos três últimos meses. Nesta
quarta-feira, o dólar chegou a ser cotado a 3,611 reais, maior nível desde 31
de maio de 2016 (3,6123 reais). Na terça-feira, as divisas reduziram
parcialmente as perdas dos dias anteriores. “Por estarem incluídas na mesma
categoria de ativos [emergentes e latino-americanos], há um certo contágio do
que está acontecendo na Argentina”, observa Jonathan Heath, ex-economista-chefe
do HSBC para a América Latina e hoje analista independente.
Salvo uma
inesperada mudança de rumo, os juros de referência nos Estados
Unidos chegarão em junho a 2% pela primeira vez desde meados de
2008. Eram outros tempos: o Lehman Brothers ainda vivia, e a Grande Recessão só
começava a se formar. E embora o aumento no preço do dinheiro tenha sido
telegrafado desde o primeiro dia da crise, as consequências se fazem sentir nos
mercados: o endurecimento da política monetária e a expectativa de maior
inflação nos próximos trimestres levou o ágio sobre os bônus norte-americanos
com vencimento em 10 anos para quase 3%, seu nível mais alto desde 2014,
introduzindo uma variável nova na balança de muitos investidores. “Vale mais a
pena depositar o dinheiro em ativos de risco quando o papel norte-americano –
teoricamente isento de incerteza sobre seu futuro pagamento – começa a oferecer
rentabilidades atrativas?”, começam a se perguntar os analistas nos
quartéis-generais das grandes firmas de investimento. E o mero questionamento
agita a América Latina e os demais emergentes.
“A
combinação de juros mais altos nos EUA e de perspectivas de inflação mais
elevadas é muito negativa para as moedas latino-americanas”, afirma Armando
Armenta, estrategista do banco de investimentos suíço UBS para mercados
emergentes. “As pessoas começam a ver fundamentos menos sólidos, e alguns
entram em pânico, golpeando os países com fundamentos mais frágeis, como a
Argentina”, acrescenta um segundo analista, de uma grande firma de
investimentos, que prefere não revelar seu nome. “É um ano mais volátil em
geral: vimos isso na Bolsa e no mercado de renda fixa, e começamos a ver no
mercado cambial.” Paradoxalmente, o baque das moedas emergentes chega num
momento doce para o petróleo – uma variável que costuma
estar positivamente correlacionada com a evolução das moedas da região, onde
quase todos os países são produtores –, que atinge sua maior cotação em três
anos e meio, impulsionado pela instabilidade geopolítica.
Em pouco
mais de 20 dias, os grandes investidores retiraram 5,5 bilhões de dólares dos
mercados emergentes de dívida, segundo dados do Instituto de Finanças
Internacionais (IIF, na sigla em inglês) citados pela Reuters. No caso da
América Latina, essa cifra chega a 1,2 bilhão de dólares somente na última
semana, quando se aceleraram as saídas, segundo a Bloomberg. Esse movimento
tem, inevitavelmente, um efeito direto sobre a cotação das respectivas moedas
regionais: vender dívida de um país significa, também, se desfazer de moeda
nacional. Tudo sem que, ainda, a maior área econômica do mundo depois dos EUA,
a zona do euro, tenha se movimentado no sentido de elevar os juros.
Nesse
ambiente, a Argentina é, de longe, o país em pior situação.
Suas reservas internacionais são inferiores às dos demais de grandes países
latino-americanos, e isso se soma à grande proporção de dívida pública emitida
em dólares, já que Buenos Aires recorreu em maior medida a emissões em moeda
norte-americana para cobrir suas necessidades de financiamento. Mas não é o
único caso. O México é a economia latino-americana mais exposta ao mercado
norte-americano, e a fragilidade do seu peso frente ao dólar – que já apagou
todos os lucros colhidos desde 1º. de janeiro – tem efeitos relevantes para sua
economia. Negativos, como o encarecimento dos produtos importados, com o
consequente repique inflacionário e a perda de valor internacional das
economias de seus cidadãos. Mas também positivos, como a maior competitividade,
um fator nada desprezível numa economia tão aberta como a mexicana: os produtos
industriais desse país estão hoje 8% mais baratos do que há três semanas,
graças a um único fator, alheio à cadeia produtiva: a depreciação do peso.
“Em linhas
gerais, os países da região estão mais bem preparados que no passado para
confrontar uma situação assim”, afirma Martín Castellano, economista-chefe do
IIF para a América Latina. “Entretanto, a posição fiscal é pior, com dívidas
mais altas e maiores déficits em todos os países da região.” O maior risco
passa, na sua opinião, por um giro radical da política macroeconômica, depois
das eleições que acontecerão neste ano em três países cruciais da região: Brasil, Colômbia e, sobretudo, o México. Neste
último caso, embora o candidato esquerdista Andrés Manuel López Obrador esteja
há meses tentando tranquilizar os mercados, os financistas não chegam a se
convencer totalmente. Não, ao menos, até verem com seus próprios olhos que a
retórica dele se cristalize em uma política fiscal prudente e na total
independência do banco central.
“No México
há fatores próprios que levaram à depreciação do peso: a incerteza em torno da
renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLC) e a
proximidade das eleições”, acrescenta Alberto Ramos, do Goldman Sachs. “A
disputa entre o setor privado e o candidato que lidera as pesquisas [López
Obrador] criou um ambiente de volatilidade que não foi contido, com a
consequente fuga de capitais e a perda de força do peso”, conclui José Luis de
la Cruz, diretor do Instituto para o Desenvolvimento Industrial e o Crescimento
Econômico do México.
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