Saída de montadoras alerta para implosão do mercado interno e desindustrialização
Multinacionais como a Ford e a Mercedes-Benz não saem de um país, abandonando anos de investimento, por um único fator. A montadora norte-americana anunciou o fechamento de suas operações no país na segunda-feira, 11/01, enquanto a Mercedes fechou sua fábrica em dezembro de 2020.
"Os casos da Ford e da Mercedes-Benz reúnem fatores conjunturais, estruturais, um certo relapso com a agenda de competitividade, associada com um processo de transformação na economia mundial, sem que o Brasil sinalize, seja com reformas ou com política séria de desenvolvimento e inovação, as estratégias que vai adotar”, afirma o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Rafael Cagnin.
Por outro lado, há motivações conjunturais. O custo Brasil - gastos das empresas que decorrem de ineficiências e deficiências do país, como na logística e na mão-de-obra -, que tem sido repetido à exaustão como motivador não pode ser desprezado. Mas, para uma empresa instalada há um século no país, não era bem uma novidade. O que mudou, além da estratégia global da companhia?
Encolhimento do mercado interno
Para o diretor-geral da Fator Administração de Recursos, o economista Paulo Gala, um dos elementos conjunturais é a derrocada do mercado interno, após uma recessão severa (2014-2016) e anos de crescimento medíocre (2017-2019), coroados agora com uma pandemia.
"O mercado interno implodiu, o faturamento das empresas do setor já foi de US$ 87 bilhões no Brasil em 2013, e caiu para US$ 54 bilhões em 2019. Já chegamos 3,5 milhões de veículos, hoje são 2,5 milhões ao ano. A perda de escala vai fechando as fábricas”. O número de empregos gerados também recuou, de 135 mil em 2013 para 106 mil em 2019.
O cenário começou a degringolar a partir de 2014, com o início da recessão. O setor passou a ter quedas de produção, e voltou a crescer apenas em 2017, mantendo-se, porém, distante do cenário pré-crise.
Se antes os subsídios ao setor - que em 2021 devem ser de R$5,9 bilhões, somente da União - e o mercado interno compensavam o custo Brasil, agora o cenário é outro. Já são seis anos de adversidade econômica, e o setor automobilístico é um dos que mais sofreram. O nível de produção do segmento em novembro de 2020 era 34% inferior a dezembro de 2011, quando ocorreu o último pico, de acordo com dados do IBGE.
"É uma contração brutal, e sem muitas perspectivas claras de que esse processo vai ser revertido, seja porque ainda estamos em um ambiente pandêmico, seja porque temos conflitos políticos recorrentes e não temos um planejamento claro de médio e longo prazos”, diz Cagnin.
Desindustrialização
A participação do setor industrial no PIB brasileiro vem caindo ano a ano. Em 2018, a indústria de transformação representou apenas 11,3% do PIB, quase a metade dos 20% registrados em 1976, a preços constantes, conforme estudo do Iedi.
O segundo ponto de diferença é que é esperado que, à medida que a população vai enriquecendo, uma migração bens mais básicos, para outros mais sofisticados. "Diferentemente de países como Estados Unidos, onde a indústria total vai perdendo participação, mas os ramos mais sofisticados, que agregam mais valor, ganham peso, no caso do Brasil, a gente perde em todos, e em alguns segmentos nem tivemos participação importante, como em TI”, explica Cagnin.
O grande problema da desindustrialização, segundo Gala, é que boa parte da inovação vem desse setor, inclusive a inovação dos serviços está ligada ao setor industrial. Além disso, os aumentos de produtividade relevantes e empregos de qualidade se concentram no segmento. "O setor industrial é uma espécie de galinha dos ovos de ouro da economia, porque é ali que tem a dinâmica tecnológica”, afirma.
Para caminharmos no sentido inverso, afirmam economistas, é preciso, entre outros elementos, que o país aposte em reformas estruturais, que reduzam o custo Brasil, e que subsídios, quando necessários, sejam atrelados a metas e contrapartidas.
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