Educação domiciliar: liberdade para algumas famílias pode prejudicar
crianças vulneráveis, dizem especialistas
Governo federal divulgou, na tarde desta quinta-feira, projeto de lei
para regulamentar a educação domiciliar. Texto ainda precisa ser aprovado pelo
Congresso para começar a valer.
Por Ana Carolina Moreno, G1
12/04/2019
06h00 atualizado há 57 minutos
Governo pretende aprovar regulação do
ensino do
O texto do
Executivo, que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para sair do
papel, é criticado e apoiado com base em alguns pontos centrais:
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Importância da escola como espaço de
socialização;
·
Qualidade do ensino domiciliar;
·
Criação de mercado de material
didático, videoaulas e tutores privados;
·
Respeito à liberdade das famílias;
·
Proteção das crianças vulneráveis.
Para discutir o
assunto, o G1 ouviu cinco especialistas:
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Carlos Vinícius Reis, diretor-executivo da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned)
·
Roberto Catelli Junior, coordenador adjunto da ONG Ação Educativa
·
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)
·
Cesar Callegari, consultor educacional, ex-integrante do Conselho Nacional,
ex-secretário de Educação Básica do MEC e de Educação do município de São Paulo
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Telma Pileggi Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)
Projeto de educação domiciliar foi apresentado nesta quinta-feira (11)
pelo governo federal — Foto: Divulgação
Os argumentos de
quem é contra a aprovação do projeto variam desde a crítica por privar as
crianças do espaço de socialização nas escolas até a abertura para empresários
do ramo lucrarem com a contratação de tutores privados ou a venda material
didática e vide aulas. A polêmica também passa pelos demais serviços prestados
pelas escolas, que incluem a proteção das crianças e a articulação do
atendimento com as áreas de saúde e assistência social.
Quem defende a
modalidade de ensino afirma que o projeto representa um avanço porque, pela
primeira vez, um governo federal reconhece a liberdade das famílias que não
querem os filhos nas escolas. No entanto, segundo defensores da proposta, o
texto apresentado nesta quinta-feira ainda precisa passar por ajustes ao longo
da tramitação na Câmara e no Senado. Entre os pontos apontados pela Associação
Nacional de Educação Domiciliar (Aned) está a discussão sobre uma possível
desburocratização das regras criadas pelo MMFDH.
Governo tem
projeto com regras para a educação em casa
Jornal Nacional
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Governo tem projeto com regras para a educação em casa
Veja
abaixo as principais perguntas e respostas sobre o projeto:
Qual é o público-alvo do projeto?
Os atuais
defensores da educação domiciliar representam uma minoria da comunidade
escolar, que ao todo soma mais de 48 milhões de matrículas, segundo os dados do
Censo Escolar 2018, divulgado em janeiro pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Segundo Carlos Vinícius Reis, da
Aned, a estimativa é que atualmente 7,5 mil famílias brasileiras pratiquem a
modalidade, atingindo cerca de 15 mil estudantes. Ele enfatiza, porém, que os
números não são exatos porque não existe um cadastro nacional. "A gente
não tem um rol de todas as famílias, porque muitas têm medo de se identificar
por conta dessas restrições", afirmou ele ao G1.
As restrições, de
acordo com Reis, vão desde o preconceito sofrido pelas famílias até a ameaça de
processo por descumprimento da legislação. Já entre as questões práticas na
vida dos alunos, o diretor-executivo da Aned aponta que essas crianças e
adolescentes ficam impedidos de participar de olimpíadas do conhecimento e só
têm acesso a exames de certificação no último ano do ensino fundamental e do
médio.
O Brasil já tem crianças fora da escola hoje?
Atualmente, é
obrigatório que todas as crianças e os adolescentes de 4 a 17 anos estejam
matriculados no ensino formal no Brasil. Na realidade, porém, a regra não é
cumprida, e estima-se que o número de pessoas nessa faixa etária fora da escola
chegue a cerca de 2 milhões. O motivo, no entanto, não é a educação domiciliar,
segundo Anna Helena Altenfelder, do Cenpec. "Não é porque os pais optaram
por homeschooling [termo em
inglês usado para designar a educação domiciliar], mas porque essas crianças
estão em situação de vulnerabilidade, têm alguma deficiência, condição de
trabalho infantil, sofrem algum tipo de violência doméstica, estão em situação
em extrema pobreza", explicou ela.
Por isso, Anna
Helena ressalta que atender às demandas dessas famílias que desejam que os
filhos tenham o ensino formal em casa pode afetar a busca ativa pelas crianças
atualmente excluídas de qualquer sistema educacional. Para ela, o tema não
deveria ser a prioridade do governo federal, que precisa lidar com a evasão, a
repetência, a alfabetização e a garantia de aprendizagem. "O projeto diz
que, enquanto não tiver a plataforma, os pais podem escolher se vão deixar as
crianças ou não na escola", destaca ela.
O que diz a legislação vigente hoje?
Atualmente a
educação domiciliar é considerada ilegal no Brasil. A busca feita por algumas
famílias para que a modalidade ganhe uma regulamentação específica já dura
anos. A medida tem como objetivo deixar explícito esse direito. Carlos
Vinícius, da Aned, diz que várias legislações, inclusive a Constituição
Federal, já trazem trechos que podem ser considerados uma permissão para a
prática.
"A
Constituição diz que a educação é 'dever do Estado e da família'. O próprio
Código Civil fala no direcionamento de que os pais têm a primazia de escolher a
forma de ensino dada aos filhos", explica. Em 2018, o caso foi
parar no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro, a maioria dos
ministros decidiu que a educação domiciliar exigiria a aprovação de uma lei específica que regulamentasse a
avaliação do aprendizado e tratasse da socialização das crianças.